sábado, 27 de setembro de 2014

Sherlock Holmes e o desaparecimento na USP

Era uma segunda-feira ensolarada, uma típica tarde de início de primavera. Holmes acordou na sua cama de hotel com o toque do telefone, porém não o atendeu imediatamente.
- Watson, algum de seus amigos está ligando.
- Que amigos, você sabe que não conheço ninguém aqui no Brasil – respondeu Watson sonolento sem abrir os olhos.
- Não importa, o telefone está ao seu lado, atenda por favor, não aguento mais esse barulho – insistiu Holmes
Watson gemeu e virou-se para atender a chamada.
- Alô?
- Alô, senhor Watson? – perguntou a já conhecida voz do atendente do Hotel.
- Sim, sou eu. – respondeu em tom rabugento.
- O senhor está com o Sr. Holmes dividindo o mesmo quarto, não está? – indagou com a voz um pouco insegura.
- Infelizmente sim, apesar de termos pedido duas suítes. Se conseguiram liberar outra suíte, é tarde demais, partimos amanhã de noite de volta para Londres...
- Na verdade senhor, estou com um homem aqui que deseja muito ver o Sr. Holmes, acredito que seja importante, ele me parece preocupado.
               - Diga a ele que espere então, senhor...
               - Souza, senhor, sou o senhor Souza.
               - Então, senhor Souza, peça para que ele nos aguarde no saguão de entrada.
               - Entendido, obrigado e desculpe o incômodo senhor.
Após quinze minutos, tempo necessário para que os dois levantassem e se vestissem devidamente dentro do quarto, que segundo Holmes não foi feito para abrigar dois seres humanos de forma decente, saíram para encontrar o homem que os aguardava.
Em pé, esperando do lado de fora, estava um homem fumando, tinha aspecto nervoso, com uma mulher ao seu lado também fumando e parecendo preocupada. Foi o casal que veio ao encontro dos dois após apagar com pressa seus cigarros.
- Sr. Holmes? – perguntou o homem
- É o que parece – respondeu Holmes sem sorrir.
- Que bom que o encontramos, ficamos sabendo que o senhor estava no nosso país e não conseguímos deixar de procurá-lo. – começou a mulher aflita – desculpe, ainda não nos apresentamos, somos o senhor e a senhora Santos.
- É um prazer conhecê-los – disse Watson estendendo a mão com um sorriso claramente forçado.
- Sabemos que está aqui a trabalho, porém, se tiver um tempo poderia tentar ajudar em nosso problema? – perguntou a Sra. Santos.
- Na verdade – disse Holmes – terminamos tudo o que viemos fazer há algumas horas, estávamos dormindo como devem ter reparado, mas como não tenho nada melhor para fazer até amanhã aceito ouvir o que tem a dizer.
- Oh, me desculpe, não queríamos causar incômodos... – Holmes acenou com a mão para mostrar que não tinha importância e ela deveria prosseguir – ahm... o que acontece Sr. Holmes é que nosso filho está desaparecido desde sexta-feira, ou melhor, sábado de madrugada, já estamos desesperados, a polícia não tem pistas, não sabemos mais o que fazer....
- Certo, vou me inteirar sobre o assunto e caso descubra algo irei ajudá-los, mas lembrem-se que ficarei até amanhã a noite na cidade apenas.
- Qualquer ajuda será bem vinda e bem paga Sr. Holmes – disse agradecido o Sr. Santos. – ele foi visto pela última vez por alguns amigos em uma festa na madrugada de sábado, eles disseram que ele saiu para buscar uma bebida as 4:30 e não voltou mais. A festa foi na Universidade de São Paulo, em um espaço usado para eventos, é um local grande, havia cerca de cinco mil pessoas no local, mas isso é tudo o que sabemos até agora.
- Muito bem, voltarei para meus aposentos agora pois necessito de um descanso para poder pensar mais claramente, mas amanhã irei investigar o local da festa para tentar descobrir algo a mais.
Eles combinaram um horário para se encontrar no dia seguinte e depois se despediram.
Na manhã do outro dia Watson e Holmes se dirigiram à universidade onde a festa havia acontecido. Na entrada, porém, já havia alguns carros de polícia. Eles desceram do táxi e dirigiram-se a pé da entrada até onde um grupo de policiais se aglomerava. O Sr. e a Sra. Santos também estavam lá, chorando e sem poder falar.
- Sou o Sr. Holmes, fui contactado pela família para.... - disse Holmes apontando para o casal
- Fomos avisados senhor, siga por favor até a raia olímpica, em frente. O corpo foi encontrado boiando lá agora há pouco por um dos instrutores de remo que trabalha no local.
Continuaram até onde o corpo estava, e pediram para que levantassem o plástico que o cobria, para poder analisá-lo. O chefe de polícia fez constatações enquanto Holmes observava o cadáver, agachado:
- Como o senhor pode ver, ele tem escoriações na lateral do rosto. Ele deve ter entrado em uma briga com os seguranças da festa, devia estar bêbado, essas ocorrências são bastante comuns nesse tipo de festa, onde as pessoas bebem muito. Esses jovens não sabem se controlar, e a segurança está sempre muito longe de ser profissional...
- Obrigado chefe de polícia.... – disse Holmes, cortando a fala do policial no meio.
- Lima senhor, chefe Lima.
- Certo, chefe Lima, já recolhi todas as informações de que preciso por enquanto, vou continuar as minhas investigações em um lugar mais reservado, se nos permite...
- Claro, fique a vontade.
- Me acompanha por uma volta Watson? Gostaria de dar uma olhada nas imediações.
- Sim, sem problemas – respondeu Watson.
Decorrido um tempo em que Holmes ficou bastante calado e os dois circularam pelo local onde tudo havia acontecido, eles decidiram ir até a faculdade de arquitetura, onde poderiam almoçar. Após servirem-se, sentaram-se em uma mesa no canto. Watson, aparentemente muito calado e pensativo, parecia tentar entender e desvendar o que poderia ter ocorrido.
- Você parece intrigado, meu caro Watson.
- Sim, estou tentando chegar a uma conclusão sobre o ocorrido, não me sinto bem indo embora e deixando uma família com tais problemas, sem ter ajudado.
- Quanto a isso não se preocupe, escreverei uma carta agora mesmo explicando tudo e poderemos deixá-la na delegacia a caminho do nosso hotel, voltaremos a Londres com tudo resolvido.
- Mas o quê? Os exames para saber como ele morreu só estarão prontos em um mês, como chegar a uma conclusão sem nem...
- Ora Watson, este crime não foi feito por nenhum profissional, aliás, foi feito por pessoas desesperadas, o que facilitou tudo.
- Me explique por favor.
- Mas é claro. O corpo não apresentava nenhum sinal de assassinato em briga, ou facadas, ou estrangulamento, ou nada que pudesse levar a pensar em uma morte desse tipo. Nessas festas algumas pessoas utilizam drogas, e nem sempre sabem a origem, entende onde quero chegar?
- Mas e as marcas na lateral do rosto e no lábio? Como foram feitas, então?
- Simples, os amigos da vítima haviam comprado alguma droga e oferecido-a, o que fez com que ela viesse a ter uma reação inesperada e morresse. Esses amigos não queriam se comprometer nem com a família e nem com a polícia, com medo de serem considerados culpados, por isso, e provavelmente também sob efeito de drogas, arrastaram e esconderam o corpo em um dos muitos matagais aqui da universidade. Eles voltaram para casa, e perceberam que não poderiam simplesmente deixar o corpo lá, pois iria começar a chamar a atenção e alguém descobriria logo. Sem poder voltar para a universidade no domingo, quando o acesso é controlado apenas para alunos, vale lembrar que eles não são alunos daqui, voltaram apenas na segunda-feira. Esperaram até o movimento de pessoas no local ser praticamente nulo, arrastaram o corpo, causando mais marcas na face, e livraram-se dele no que lhes parecia a solução mais óbvia, o rio onde pratica-se esportes ao lado do local da festa. O que eles não sabiam, por não serem estudantes daqui, é que o rio, é na verdade uma raia, a água não corre, e por isso o rapaz foi encontrado hoje pelas pessoas que frequentam o local. Um caso um tanto quanto simples na verdade.
- Impressionante Holmes, a família irá ficar feliz em saber que... ou não. Desculpe, acho que feliz não foi a palavra correta a se usar.
- De fato não ficarão felizes, meu caro Watson, infeliz escolha de palavras...
E terminaram de comer observando a variedade diversificada de alunos que frequenta o local, enquanto imaginavam quanto tempo demoraria seu voo de volta para Londres.